26 de outubro de 2016

Como havia prometido para muitos dos que costumam ler as coisas que escrevo, começa hoje a publicação semanal da série de artigos CAI O PANO. Através dela, poderemos desenvolver um trabalho de entendimento do mundo e de nosso país, de maneira a fomentar discussões que nos levem a construir um modelo de atuação brasileira no cenário internacional, sem que isso se dê em detrimento dos interesses do povo brasileiro.

Pequena Introdução
Por ser esta série de artigos longa e ter que ser divulgada em capítulos, pode a princípio passar a impressão de que rumará ao ufanismo antiimperialista, como acontece com tantas outras análises. Não rumará. Ela pretende estabelecer uma base de raciocínio para a discussão de um posicionamento brasileiro em relação às forças de poder mundialmente estabelecidas, a fim de transformar o Brasil, de objeto manipulado, em parceiro consciente, com direito a voto e a todos os benefícios de desenvolvimento, pela posição estratégica que ocupa no cenário de disputa mundial. O objetivo é: Conhecimento, Conscientização, Escolha de Parceiros Ideológicos e Econômicos (Pró-Ocidentais) e Imposição Inteligente de Contrapartidas Beneficiadoras.

CAI O PANO – Parte 1
PROJETO ZONA DE RETAGUARDA: O CORREDOR DE TORDESILHAS (1)

Muito do que acontece no Brasil e em outros países do Terceiro Mundo ainda decorre da estratégia hegemônico-bélico-nuclear dos dois blocos antagônicos que continuam dividindo o mundo em ocidente e oriente. Estes dois blocos são representantes de sistemas políticos, religiosos, culturais e filosóficos incompatíveis, mas de sistemas econômicos que diferem apenas do ponto de vista dos detentores do capital: o capitalismo propriamente dito, onde imperam as leis de mercado, de oferta e de procura, e o capitalismo de Estado, baseado em taxação de trabalhadores e de pequenos e médios empresários locais, em exploração do trabalho, em oligopólios monopolistas (ainda que disfarçados sob a falsa concorrência entre várias empresas que, na verdade, fazem parte dos mesmos grupos) e num Estado forte (e corrupto).

Guerra fria? Guerra nuclear? Ocidente e Oriente? Parecem coisas do passado... Infelizmente não são. Mas, será preciso esclarecer uma série de coisas antes de discorrer sobre assunto tão amargo. Muitos já conseguiram identificar que há no mundo uma disputa e que a América Latina é o prêmio supremo, especialmente o Brasil. As razões disso é que não estão muito bem esclarecidas, uma vez que não relacionam os motivos da disputa (que são as riquezas minerais, a água, as terras produtivas, etc.) com o que realmente há por trás deles.

O perfeito entendimento dos contornos das estratégias implementadas pelos dois blocos em confronto, após a Segunda Guerra, notadamente nos seus pontos de convergência, só é possível na medida da compreensão dos reais efeitos de uma guerra nuclear. Aparentemente, sempre interessou aos dois lados a difusão da idéia de que uma guerra nuclear acabaria com a raça humana, uma vez que provocaria o inverno nuclear. Isso foi desmentido por estudos e simulações feitas por computadores do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica de Los Alamos (EUA), mas não foi ampla e mundialmente divulgado como aconteceu com a teoria do inverno nuclear do astrônomo Carl Sagan.

Na verdade, numa explosão nuclear a destruição total fica limitada a um raio de poucos quilômetros e o maior desastre é a nuvem radioativa - que tem efeito duradouro na contaminação de grandes extensões de terra, por causa de seu deslocamento com os ventos. Mesmo que muitas bombas atinjam lugares diferentes ao mesmo tempo, a destruição total não é real, em que pese a grande quantidade de baixas que ela provocará. Mesmo porque existe (e isso é público e notório) uma grande quantidade abrigos anti-nucleares espalhados pelo mundo, tanto para uma família, em residências particulares, como até para cidades inteiras. O que é real é o comprometimento do abastecimento (alimentos, água, energia, etc.) por causa da contaminação provocada pelo somatório de todas as nuvens radiativas liberadas com as explosões.

Não se está aqui querendo dizer que uma guerra nuclear seria uma coisinha à toa, da qual os sobreviventes poderiam se livrar das conseqüências num piscar de olhos. É claro que não. Levaria tempo, mas haveria sobreviventes e possibilidades de reconstrução, sem dúvida. O principal seria garantir a sobrevivência daqueles que se encarregariam da reconstrução, não só das cidades e das sociedades, mas também dos aparatos de poder (*)


Não há como entender as estratégias de guerra nuclear sem conhecer uma regra simples: os movimentos de ar na atmosfera terrestre obedecem a regras naturais fixas, que fazem com que as camadas de ar quente da região equatorial se elevem e retornem no sentido dos pólos onde se originaram, sem se misturar jamais. Isso significa que, se acontecesse uma guerra nuclear no hemisfério norte, por exemplo, o hemisfério sul não seria diretamente atingido pelos efeitos do inverno nuclear. É precisamente por causa disso que os países deste hemisfério passaram a ser disputados entre as superpotências nucleares para que servissem de "celeiro", ou "ZONA DE RETAGUARDA", caso fosse deflagrada a guerra nuclear no hemisfério norte.

Nesse caso, a sobrevivência de todos os que resistissem aos ataques (e seriam muitos), no hemisfério norte, dependeria de alimentos e matérias-primas não contaminados que viriam justamente dos lugares do planeta onde os efeitos diretos do inverno nuclear não chegassem. Esses lugares foram classificados como ZONA DE RETAGUARDA – todas, é claro, no hemisfério sul. Não foi por outra razão que os inimigos trabalharam unidos para fazer com que os países localizados abaixo da linha do Equador assinassem o Tratado de Proscrição de Armas Nucleares na América Latina e viessem a integrar a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) – órgão mundial fiscalizador do emprego pacífico da energia nuclear.

Não resta a menor dúvida de que os destinos dos países do Terceiro Mundo, desde a Segunda Guerra, foram traçados para atender aos planos de retaguarda das superpotências. Foram gastas quantias estratosféricas de dinheiro em função da corrida nuclear para que se possa ingenuamente imaginar que nunca tenha havido a intensão de que a Terceira Grande Guerra acontecesse de fato. E, infelizmente, tudo indica que ela ainda seja eminente, como veremos mais adiante.

Foram bilhões e bilhões de dólares investidos em sistemas de detecção e interceptação de mísseis, por constituírem a base da capacidade de defesa e de retaliação de cada um dos lados envolvidos na disputa. Foi isso, aliás, que permitiu um grande desenvolvimento nas indústrias de comunicações e de informática. Somas impensáveis de dinheiro foram gastas para montar os silos lançadores de mísseis nucleares e as bases de controle longe dos centros mais populosos - já que estes seriam (e ainda são) os alvos de interesse do inimigo, na medida em que dificultam a capacidade de reação. EUA e Rússia chegaram a gastar 500 bilhões de dólares por ano em armas nucleares

Igualmente, centenas de bilhões de dólares foram gastos na construção e administração de abrigos e hospitais subterrâneos, estocagem de suprimentos, além de treinamentos de evacuação e de sobrevivência. Na antiga URRS, por exemplo, existiam 100 mil funcionários dedicados exclusivamente à defesa civil, elaborando e modificando detalhados planos de evacuação de cidades inteiras; nos EUA acontece a mesma coisa, sendo que ainda existem planos específicos para que as populações do campo construam seus próprios abrigos e para que aprendam a estocar alimentos para o tempo de clausura que seria necessário no caso de ataque nuclear.

Na Suécia há abrigos nucleares suficientes para cerca de 70% da população. Na Suíça, desde 1960, todos os edifícios construídos são obrigados a dispor de abrigo atômico e ainda há cerca de 100 hospitais subterrâneos. É nesse país da Europa, inclusive, que se investe na preservação de todo o conhecimento humano, com a guarda, em biblioteca subterrânea, de fitas, discos e livros em recipientes lacrados e fabricados com ligas especiais de metal. A China não fica atrás e construiu o mais ousado plano de defesa civil nuclear do mundo: por baixo de Pequim, a 8 metros de profundidade, existe uma outra Pequim, capaz de abrigar cerca de 10 milhões de pessoas!

Duas coisas, na verdade, impediram a explosão da grande guerra nuclear: o término da conquista e da preparação das zonas de retaguarda e a certeza da almejada superioridade em termos de ataque e de defesa por uma das superpotências. Essa certeza, porém, surgiu para os EUA, como veremos mais adiante, quando assumiu estar preparado para construir um escudo antimíssil no espaço – o Guerra nas Estrelas – oficialmente denominado de Iniciativa Estratégica de Defesa (IDE, em inglês). Desse fato surgiram todas as recentes modificações geográficas, sociais, econômicas e políticas que vemos hoje no mundo. Mas, ainda é preciso fazer outras análises antes de entrar nesse tema.

Voltando às zonas de retaguarda, todas abaixo da linha do Equador, teríamos América do Sul, Oceania e África Meridional. Para cumprir a finalidade de "celeiro" de abastecimento, uma série de fatores deveriam ser considerados, sendo o principal deles a proximidade geográfica, seguida por outros fatores importantes, como vegetação (rica em quantidade e espécies), temperatura (com pouca variação anual e ideal em torno de 20 e 30 graus), chuvas bem distribuídas, recursos minerais (fartos e bem diversificados), solo (agriculturável e campos de pastagens), potencial energético (preferencialmente hidráulico, livre da dependência de petróleo e carvão) e recursos hídricos.

Duas coisas pode-se depreender da descrição acima: a América do Sul vence em todos os itens consideráveis e, em alguns deles, com grande vantagem; e, não há como negar, que os investimentos feitos na América do Sul foram muito mais sentidos e produziram muito mais frutos do que os feitos nas outras áreas. Fica claro também que este continente ficou sob a influência do Bloco Ocidental, ligado à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), e que este, sem dúvida, trabalhou melhor sobre sua ZONA DE RETAGUARDA. À URSS e à Ásia restaram a Oceania e a África Meridional.

No continente sul-americano, vale lembrar que os países situados acima da linha do Equador, por razões já apresentadas, não faziam parte da ZONA DE RETAGUARDA. Os países andinos também não foram considerados, uma vez que a Cordilheira dos Andes, além de ser uma área inóspita, assegura por si só uma proteção natural à área de abastecimento, tanto sanitária quanto militarmente. Restaram, portanto, Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina. Em uma concepção geoestratégica, não haveria razões para se restringir o quadro entre estes países às fronteiras políticas. Obras como Itaipu, a Ponte da Amizade e o acesso do Paraguai aos portos brasileiros são exemplos disso.

Restringindo o tema ao Brasil, não seria novidade dizer que o país nunca teve condições de realizar investimentos de grande porte contando somente com a poupança interna. Entretanto, suprimentos para um pós-guerra nuclear exigem fontes, capacidade de transformação, transporte e proteção – portanto, grandes investimentos. Os números dos últimos 50 anos registram um crescente endividamento externo do Brasil que, ainda que tenham crescido desproporcionalmente devido à elevação injustificada de juros e dos preços do petróleo, a certa altura, foram resultado do custeio de nosso desenvolvimento em termos de infra-estrutura (estradas, ferrovias, hidrelétricas, hidrovias, pontes, viadutos, telecomunicações, indústria aeroespacial, indústria bélica, agricultura, a construção de Brasília, etc.).

É importante ressaltar que a opção pelos empréstimos, em detrimento da simples captação de investimento privado externo dos grandes capitais, sempre à procura de ampliar seus mercados consumidores, foi parte da estratégia de dominação (Vide os homens conhecidos como AE – Assassinos Econômicos). Não pela maldade pura e simples do Banco Mundial e do FMI, mas porque não poderia haver, apesar do desenvolvimento do país, uma contrapartida na respectiva distribuição de renda nacional.

O aumento da distribuição da renda nacional tenderia a aumentar nosso mercado consumidor interno (o que parece ter sido a intensão natural, ingênua e patriótica de muitos de nossos governantes, que sonhavam em fazer do Brasil um país de Primeiro Mundo), desviando os estoques de suprimento que precisariam estar sempre disponíveis – ainda que sob a forma potencial. Bem como o aumento considerável na produção de grãos para exportação não poderia comprometer os mercados cativos (e os que precisariam ser expandidos) dos produtores do Primeiro Mundo. Não seria surpreendente, portanto, que programas como o Proálcool fossem resultado dessa ambigüidade. A área ocupada pela cultura da cana-de-açúcar – matéria prima da indústria do álcool-combustível – representava, para o hemisfério norte, em caso de guerra nuclear, uma zona que poderia ser imediatamente ocupada pelo plantio de grãos, ainda que em detrimento das plantações de cana.

É óbvio que para abastecer o "aliado" do hemisfério norte, a ZONA DE RETAGUARDA deveria estar estruturada para fazer com que os suprimentos pudessem escoar o mais eficiente e rapidamente possível em direção ao destino. No caso da América do Sul para os EUA e Europa, o Atlântico Norte, dominado pelo Bloco Ocidental, seria indubitavelmente o caminho natural e lógico. As rotas de suprimento sul-americanas, portanto, deveriam estar articuladas com aquele oceano, partindo do interior do país e chegando aos portos marítimos do norte e do nordeste, respectivamente os de Belém e de São Luiz.

As fontes de suprimento, quando examinamos o problema à luz de uma ZONA DE RETAGUARDA para um pós-guerra nuclear, restringem-se a grãos, minerais e produtos industrializados. Sabe-se que os produtos industrializados vêm do eixo São Paulo – Minas Gerais - Rio de janeiro. A produção de grãos, desde a época do Governo de Juscelino, foi muito desenvolvida no cerrado, justamente para alimentar esse corredor interior que iria desembocar nos portos de Belém e de São Luiz. Os minérios ficaram por conta de Minas Gerais (Araxá) e Goiás (Catalão).

A reunião das fontes de suprimento aos portos terminais caracteriza o corredor de exportação na direção geral do meridiano de Tordesilhas – o que justifica denominação simbólica de CORREDOR DE TORDESILHAS. Não, a concepção dessa teoria não é minha. Ela é fruto do trabalho de dois brasileiros inteligentes, bem informados e perspicazes que conseguiram desvendar os mistérios que estão por trás do país mais incoerente do mundo: o Brasil. Eu herdei parte desse trabalho e me empenhei em pesquisar, acrescentar dados, aprimorar e ampliar conclusões, já que a teoria foi desenvolvida há quase 20 anos.

(*) As conseqüências de uma guerra nuclear para os civis são até certo ponto assunto de especulação. De qualquer modo os efeitos das explosões nucleares observados em testes demonstram sem dúvida visões cruéis, porém não apocalípticas. O primeiro impacto é uma onda de calor, que queima uma área ampla, afetando em particular as pessoas apanhadas ao ar livre e provocando incêndios (dependendo das condições climáticas, gera até mesmo tempestades de fogo). Uma enorme emissão de raios X produz uma bola de fogo que se expande com rapidez e se eleva formando uma nuvem em forma de cogumelo. Depois do calor, vem o efeito da explosão, potencialmente fatal a uma distância de 5 km, com uma bomba de 1 megaton. A onda de choque, seguida por ventos muito fortes, pode provocar inúmeras mortes pelo desmoronamento dos edifícios e pela quebra de vidros espalhados com violência. Com o calor e a explosão há desprendimento de radiação.

Os destroços sugados para cima na explosão também se tornam radioativos e ao cair - de imediato ou mais tarde, junto com a chuva e a neve - espalham a radiação em área ainda mais ampla, que pode chegar a mais de 300km do epicentro, variando de acordo com a velocidade do vento e com o terreno. Em poucos dias o nível de radioatividade chegaria a um ponto tolerável, mesmo em áreas bastante afetadas. Assim, as pessoas que tivessem permanecido todo o tempo bem abrigadas poderiam sair incólumes. No entanto, a longo prazo, a radiação absorvida pela ingestão de alimentos contaminados, contendo substâncias afetadas pela radioatividade, prejudicaria a saúde, provocando câncer, defeitos genéticos etc.

Converter esses efeitos em números não passa de especulação, pois tudo dependeria da natureza e da dimensão de um confronto nuclear. A longo prazo, estes efeitos são ainda mais difíceis de calcular, mas sem dúvida também implicam perdas bem pesadas. Destruídas as usinas de força e as refinarias de petróleo, interrompidos os transportes e o abastecimento de víveres, parcelas da população, de início incólumes, precisariam fazer frente a uma situação potencialmente fatal. Em regiões muito danificadas, a desnutrição, as condições de vida inadequadas do ponto de vista sanitário, a superpopulação e a assistência médica insuficiente provocariam surtos de doenças infecciosas, como disenteria, cólera, difteria, poliomielite e meningite, reduzindo ainda mais o número de sobreviventes. A sobrevivência dessas populações dependeria de que grandes regiões do globo, não afetadas pela
guerra, pudessem fornecer-lhes alimentos e suprimentos em geral. Na década de 80, o surgimento da hipótese do inverno nuclear lançou dúvidas sobre todas as perspectivas de recuperação, que foram posteriormente desfeitas.
Texto Baseado na Coleção Guerra na Paz, vol. 5.

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